25 de julho de 2014

Os meus irmãos

Pensamos todos os dias no valor incomensurável dos filhos e dos pais, sabemos o quanto vale cada amigo, mas não contabilizamos os irmãos
Só se percebe verdadeiramente a importância das coisas ou das pessoas quando as perdemos. Quando as consideramos tão garantidas como o ar que respiramos, nem pensamos no seu valor. Não fazemos contas, assim como um milionário não faz contas para ir à mercearia nem sabe as oscilações do preço da bica. Com os irmãos é assim que as coisas funcionam. E é por isso que funcionam tão bem.
Nós não sabemos quanto vale um irmão. Nem pensamos nisso. Pensamos todos os dias no valor incomensurável dos filhos e dos pais, sabemos o quanto vale cada amigo, mas não contabilizamos os irmãos. É diferente com eles. É diferente porque os irmãos são de graça. Eles caem-nos ao colo sem planeamento, sem poder de escolha, sem pensarmos nisso. Também é diferente porque nós crescemos com eles e crescemos juntos em tudo. Começamos desde pequeninos a lutar, a brincar, a discutir, a partilhar a casa de banho, o quarto, as meias, os jogos, os pais e os outros irmãos. Eles crescem a meias connosco e por isso acabam por ficar mais ou menos nós.
E é por isso que os irmãos nos conhecem melhor que os nossos pais ou amigos. Conhecem-nos os tiques, as fraquezas, os gostos e as sensibilidades; sabem o que quer dizer cada expressão nossa, aquilo que nos faz chorar e os limites da nossa tolerância. Também sabem que podem ultrapassar todos esses limites porque nada acontece, porque não há divórcios de irmãos. Os irmãos não prometem amar-se na saúde e na doença até que a morte os separe. Não precisam: quer prometam quer não, quer queiram quer não, é mesmo assim que vão viver.
Em todas as outras relações é preciso tempo. É preciso guardar tempo e ter tempo para estreitar laços, criar cumplicidades, ganhar confiança ou aprofundar as relações. Mas os irmãos não precisam de tempo. Nós gostamos dos nossos irmãos o mesmo que sempre gostámos apesar do tempo. Nem mais nem menos um bocadinho que seja. Podemos passar anos sem nos falar que não é por isso que as cumplicidades, os laços, a confiança (muita ou pouca) se esvanece. Os irmãos são imunes ao tempo, à distância ou às zangas e isso torna-os à prova de tudo.
Com os irmãos, ao contrário do que acontece com todas as outras pessoas, também não precisamos de falar: basta estar. Se falarmos e rirmos uns com os outros, melhor, é uma espécie de bónus; se discutirmos, melhor ainda: quer dizer que podemos, quer dizer que somos tão irmãos que até podemos discutir violentamente e continuar a ser irmãos. Até ao fim.
Eu tenho a suprema sorte de ter oito irmãos. Ter oito irmãos quer dizer ter oito melhores amigos, quer dizer ter oito pessoas que se atiravam a um poço para me salvar (espero...) e oito pessoas a gostar incondicionalmente de mim ao mesmo tempo. Já perdi dois deles, o mais velho e o mais novo. Perdi-os numa idade em que não se perdem irmãos e eles morreram estupidamente numa idade em que não é suposto morrer. Não foi quando eles partiram que eu tive consciência do valor de cada um deles, mas foi quando eles morreram que eu percebi que esse valor é incomensurável, que quando morre um irmão morre um bocadinho de nós. Percebi que há uma parte de nós que é só deles e essa parte desaparece com eles.
Sei perfeitamente que o melhor presente que dei aos meus filhos foi cinco irmãos a cada um, mas também sei que eles ainda não fazem ideia do valor de cada irmão. Por enquanto discutem mais do que aquilo que brincam, dividem mais do que aquilo que partilham e desconfio que teriam escolhido um cão e uma viagem à Eurodisney a um bebé novo, caso eu lhes tivesse dado a escolher. Mas os silêncios entre eles são cada vez mais frequentes e os silêncios entre irmãos são tudo.
O Dia dos Irmãos, que a Associação das Família Numerosas propôs que se passe a comemorar no próximo ano, é para celebrar tudo isto e é necessário comemorar tudo isto. Não é que os irmãos precisem de um dia, porque não precisam, é apenas por o merecerem. Os meus, pelo menos, mereciam um dia para cada um.
Por Inês Teotónio Pereira

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